: Tweet Na semana passada foi anunciada a colocação de Angola na Lista Cinzenta do Grupo de Acção Financeira (GAFI).
O GAFI é uma organização internacional que lidera as acções para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo a nível mundial. Não é um tribunal internacional, nem uma entidade com poderes sancionatórios. A sua influência reside na autoridade da palavra, nos sinais que dá ao mundo de confiança ou desconfiança nas economias e no sistema financeiro de um país.
Por isso, o sinal que dá sobre Angola é uma péssima notícia para os esforços angolanos de elevar a integração internacional financeira do país e promovê-lo como um lugar apetecível para o investimento estrangeiro. Concretizou-se o perigo de descarrilamento, para o qual tínhamos alertado há mais de um ano.
A Corrida contra o Descarrilamento A Lista Cinzenta do GAFI identifica países com deficiências estratégicas nos seus sistemas AML/CFT (Anti Lavagem de Dinheiro e Combate ao Financiamento do Terrorismo). Quer isto dizer que a colocação na Lista Cinzenta implica, em termos financeiros, que Angola fica sob monitorização económica e financeira mais rigorosa. Não se trata da Lista Negra, que integra os países que não cumprem, nem querem cumprir, os padrões GAFI. No caso da Lista Cinzenta, reconhece-se que há esforços e intenção de atingir os patamares de controlo requeridos.
Ser colocado na Lista Cinzenta tem consequências objectivas para a economia e para o sistema financeiro de um país. Restringe transacções transfronteiriças, levanta dificuldades para o Estado obter crédito e limita o investimento estrangeiro no país. Os fluxos financeiros internacionais ficam mais lentos e sujeitos a maiores constrangimentos. Tudo o que não se desejava para Angola.
Fazem parte da Lista Cinzenta países como a Argélia, a Bulgária, a Croácia, a República Democrática do Congo, o Burquina Faso, os Camarões, a Nigéria e as Filipinas. Já a Lista Negra inclui o Irão, a Coreia do Norte e a Birmânia.
A grande interrogação sobre a colocação de Angola na Lista Cinzenta não é sobre as consequências – que são consensualmente previsíveis –, mas sobre as razões do falhanço do Estado em evitar tal acontecimento.
A verdade é que não se tratou de uma decisão surpreendente do GAFI, mas sim do resultado de um longo processo iniciado em 2022, como refere o relatório que fundamenta a decisão, ao qual tivemos acesso.
Trata-se do Relatório de Pós-Observação de Período referente a Angola, de 173 páginas. Das 11 tarefas urgentes sobre as quais Angola deveria apresentar resultados imediatos, o governo nada fez. Cada resultado imediato compreende várias acções.
Pelo Relatório, percebe-se que este procedimento começou em Junho de 2022, teve uma avaliação mútua em Junho de 2023, aquela para a qual tínhamos alertado. Seguiu-se um período de observação até Junho passado, e tudo culminou neste mês de Outubro.
Alguns exemplos das acções exigidas pelo GAFI ao Estado angolano:
Tomada de medidas necessárias para reunir as informações necessárias para avaliar e entender a escala/magnitude de ML/FT (Lavagem de Dinheiro/Financiamento do Terrorismo) por meio da revisão do processo nacional de avaliação de risco em relação a todas entidades relevantes, incluindo as não lucrativas. Fornecer os recursos necessários (financeiros, humanos e tecnológicos) para a Procuradoria-Geral da República como autoridade central para cooperação judicial internacional em questões criminais. Melhoria, por parte dos supervisores do sector financeiro, da compreensão dos riscos de Financiamento do Terrorismo (FT), conduzindo avaliações granulares de risco de FT em avaliações de risco inerentes com foco em clientes, produtos/serviços, canais de entrega e riscos geográficos. O Banco Nacional de Angola (BNA) deveria concluir o aperfeiçoamento do processo de avaliação de risco da entidade e aplicá-lo para melhorar sua compreensão do risco de ML/FT ao nível institucional. As instituições financeiras deveriam desenvolver e implementar mecanismos, incluindo a manutenção de estatísticas e exemplos de casos necessários para demonstrar a mudança no comportamento de conformidade pelas entidades relevantes. As autoridades relevantes de Angola deveriam melhorar a cooperação interinstitucional com foco específico na mitigação dos riscos de Proliferação Financeira (PF), incluindo o estudo de tipologias de evasão de sanções e abuso de brechas de propriedade efectiva. As dezenas de acções que se exigiam ao Estado angolano, e de que demos aqui apenas alguns exemplos, formavam os conteúdos dos chamados resultados imediatos (11).
O que a comissão de trabalho do GAFI concluiu é que em nenhum dos 11 resultados imediatos Angola fez progressos positivos e tangíveis suficientes para aumentar a sua eficácia. Em nenhum. Tratou-se de um “chumbo” a todas as “disciplinas”.
Nalguns casos, nem sequer abordou o tema ou prestou qualquer informação. Noutros casos, apresentou planos, mas nenhuma prova da sua implementação.
Entre variados estudos de caso que o Relatório apresenta sobre o mau funcionamento dos controlos angolanos a nível da prevenção de riscos, conta-se a história da sinalização de uma gerente de hotel não identificada que levava um estilo de vida incompatível com o seu rendimento. Foi descoberto que ela prestava serviços a um cidadão estrangeiro de um país de risco associado ao grupo Hezbollah. Como resultado da investigação, foi estabelecido que esse cidadão estrangeiro era filho de uma pessoa na lista de sanções das Nações Unidas. Em cooperação com várias agências e fontes de inteligência, o SIC descobriu que a empresa em Angola estava a transferir quantias significativas para Portugal. Mais tarde, foi descoberto que a empresa em Portugal era propriedade do mesmo cidadão estrangeiro. Aduziu-se que havia um aparente corredor de financiamento do terrorismo que começaria em Angola, passaria por Portugal e terminaria não se sabe onde, com a complacência das autoridades angolanas.
Além das questões técnicas, esta colocação na Lista Cinzenta é acima de tudo uma questão política e de funcionamento do Estado. Como se referiu, tratou-se de um processo longo, as autoridades angolanas estavam devidamente informadas e acompanharam-no. Desde Junho do ano passado, era do conhecimento do executivo que havia o perigo real de Angola entrar na Lista Cinzenta. No entanto, durante o ano, o executivo e a administração pública foram incapazes de reverter a situação. Em muitos casos, nem sequer prestaram a informação solicitada. Como se diz em linguagem simples, falaram à toa, mas não encetaram as acções pretendidas.
Trata-se de pura incompetência ou incapacidade do executivo e da administração de João Lourenço que o dirige? É evidente que o ministro de Estado responsável pela Coordenação Económica, Lima Massano, deve um esclarecimento. Em última análise, é ele o responsável político por este fiasco. Deveria, certamente, colocar o lugar à disposição do presidente da República e garantir a exoneração daqueles que não cumpriram os seus deveres públicos. Não pode tudo ficar em comunicados paliativos que fingem que nada correu mal na resposta angolana.
A outra hipótese, que não se quer acreditar, é que se tratou de auto-sabotagem. Parecem existir, dentro do governo, muitos actores que não querem que os mecanismos de controlo se acentuem, por forma a manterem as suas negociatas. A ser esse o caso, já não se trata de incompetência administrativa, mas de uma situação que exige a intervenção das forças de segurança e de investigação criminal.
Estes casos de auto-sabotagem não são uma mera especulação. Aparentemente, a recente passagem prática da tutela do SIC do Ministério do Interior para o Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE), que pode gerar alguma confusão funcional, pode ser um exemplo desses fenómenos. Naturalmente, era bem preferível garantir a melhoria do funcionamento das instituições do Estado, de modo que estas operassem de forma regular.
Seja uma hipótese ou outra, o facto é que são necessárias medidas para que Angola não seja um país com sonhos eternamente adiados.
Em relação ao futuro, o GAFI é claro no seu relatório, apresentando um esboço de plano de acção que termina em 2026. Há, portanto, dois anos para corrigir as deficiências, bem a tempo do final do último mandato de João Lourenço.
Article publié le lundi 4 novembre 2024
169 lectures