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Carta aos Jovens Angolanos: por Uma Revolução de Ideias
Tweet Querida(o) jovem,

Em 1979, na Rua da Samba, um grupo de crianças ousou fazer o que os adultos temiam.

Brincávamos no terraço de um edifício de dois andares, junto à actual Escola 17 de Setembro, quando um soldado da guarda presidencial se instalou ali, ocupando o nosso território infantil.

Passaram 24 horas e o soldado vigiava sem descanso, como um fantasma. Nós, crianças entre os 8 e os 14 anos, percebemos que aquele soldado estava faminto e exausto. Organizámo-nos às escondidas para lhe levar comida e refrescos. Ele recusou, temendo ser fuzilado.

Mas não desistimos da missão. Na nossa inocência, contra o medo e a disciplina militar, inventámos soluções. Mobilizámos o tio, de sua memória tenente Kiene Mbila (sem sepultura), para substituir o soldado da guarda presidencial e empunhar a sua arma, enquanto este comia e dormia em paz. Montámos um sistema de vigia, até à rua, para acalmar os temores do tio, que acreditava que também poderia ser fuzilado.

Qual é a lição? Mesmo sem deter nenhum poder formal, a juventude pode encontrar soluções; pode proteger a pátria, pode ser criativa, solidária e corajosa. Pode encontrar caminhos onde os mais-velhos e os políticos do costume vêem apenas riscos, cumplicidades ou oportunidades para obter vantagens pessoais.

Vocês, jovens de Angola, a geração da paz, são a maior força cívica, política e militar do país!

São vocês que enchem as fileiras da função pública, das forças de defesa e segurança, dos partidos políticos, são vocês que sustentam as igrejas.

Mas também são uma geração com tendência para a alienação, moldada pela crise identitária nacional que cimenta a exclusão social e o vazio:

Herdaram dos vossos pais o medo do pensamento crítico, da política, assim como a vergonha do bem comum, o desinteresse em lutar pela boa governação, pelo futuro de Angola. Foram criados em ambientes de discriminação sociopolítica, ensinados a manterem-se conformistas. Usam mais as redes sociais como distracção e palco de ofensas, e não tanto como instrumentos de transformação. Têm acesso à informação, ao mundo, mas continuam muitas vezes prisioneiros dos preconceitos, da discriminação sociocultural e económica, da partidarização destrutiva e dos muros levantados pelas gerações anteriores. Há que derrubar as barreiras da intolerância e da exclusão social. A geração, bem como a corte de João Lourenço, que deveria ter promovido uma transição que preparasse o país para as novas gerações, traiu. Afundou, falhou miseravelmente. Enredou-se nos labirintos do egoísmo, do saque e da ostentação pessoal, humilhando ou esquecendo o povo e a nação angolana.

Os líderes dessa geração preparam as suas reformas douradas e a sua morte confortável no exílio, prontos para fugirem de Angola assim que o poder lhes falte e o julgamento do povo os possa atingir.

Mas vocês, jovens angolanos, não podem desistir.

É vosso dever agir. Não basta falar, é preciso transformar.

Vocês têm as ferramentas para transformar este país:

A ciência, fonte de conhecimento, deve inspirar-vos para promoverem iniciativas cívicas que visem transformar o sistema educativo — a verdadeira chave para a inclusão, a preparação e o sucesso sustentado das novas gerações. A solidariedade, que vos deve unir, é o cimento de uma cidadania activa e consciente, capaz de enfrentar desafios colectivos com responsabilidade, partilha de saber e compaixão. As redes sociais, quando usadas com propósito, tornam-se ferramentas poderosas para educar, cultivar o respeito mútuo, difundir valores éticos e morais, mobilizar consciências e exercer uma liderança transformadora. A energia que vos move pode ser canalizada para uma revolução de ideias — uma luta firme e criativa pela dignidade humana, pela justiça e pela construção de um futuro mais ético e próspero. O futuro de Angola depende de vocês. Não esperem por líderes “prontos”, seja por procuração ou impostos por um chefe arbitrário. Esses serão sempre oportunistas de rapina, apenas focados no seu enriquecimento e magnificência.

Está nas vossas mãos congregarem, discutirem, tabularem ideias, criarem causas comuns e fazerem emergir novas lideranças. Líderes que conquistem legitimidade pelo mérito, pela entrega, pelo serviço ao bem comum e não pela força da demagogia, da corrupção e da truculência.

Jovens angolanos, a pátria é vossa! Angola é vossa!

Não aceitem ser espectadores passivos de uma história de violência, corrupção, medo e desistência. Não sejam espectadores do saque contínuo do país, das vossas riquezas, da vossa herança, do vosso futuro.

Assumam a missão de transformar a consciência social, começando pelo respeito pelo outro. Organizem-se como nós, crianças, fizemos naquele terraço em 1979: tenham a ousadia de proteger quem protege o país, de alimentar quem tem fome, de descansar quem vigia, de sonhar o impossível.

E lembrem-se desta verdade brutal: se vocês não assumirem a vossa responsabilidade histórica, outros – corruptos, cobardes, saqueadores e estrangeiros – continuarão a assumir o futuro em vosso nome.

Se não tomarem conta de Angola agora, amanhã não haverá Angola para tomar conta de vocês.

A pátria não pode esperar mais. O futuro exige que a juventude assuma o seu lugar, que crie uma revolução de ideias para realizar o sonho de uma Angola melhor e inclusiva, para todas as angolanas e todos os angolanos.

Não é amanhã – é hoje que se constrói. Este é o tempo da transformação.


Article publié le mercredi 15 octobre 2025
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