Imprimer
Angola

Bolsas de Estudo para a Corrupção

  Tweet No Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudo (INAGBE), há um buraco de mais de 21 mil milhões de kwanzas em transferências e pagamentos sem justificativos, realizados em 2022. Trata-se de um valor equivalente a mais de 35 milhões de dólares ao câmbio da altura.

Este montante é o triplo do valor que levou à detenção de vários funcionários da Administração Geral Tributária (AGT) pelo alegado descaminho de mais de sete mil milhões de kwanzas.

Todavia, o caso do INAGBE tem sido abafado por quem de direito. O então director-geral do INAGBE, Milton Chivela, e o seu adjunto, Paulino Celestino Kangoma, não exercem funções no INAGBE desde Novembro do ano passado. Porém, tanto quanto sabemos, não são alvo de investigação criminal. Pelo contrário, Milton Chivela tornou-se consultor do actual ministro do Ensino Superior, o que nos leva a questionar que tipo de consultoria o senhor ministro considera adequada para o exercício das suas elevadas funções de Estado.

Por outro lado, há 101 bolseiros, devidamente identificados, que continuam a receber pelo INAGBE mas não fazem parte das listas remetidas pelas universidades que acolhem os beneficiários. São os “bolseiros-fantasma”. Note-se que Domingos Canguende, responsável pelas bolsas externas à data dos factos, também não é alvo de investigação criminal. Muito pelo contrário, foi presentado com o cargo de director-geral do INAGBE. A acompanhá-lo, temos Edna De Carvalho, directora-geral-adjunta, antes chefe do Departamento de Apoio ao Gabinete do Director-Geral. Ambos são elementos de confiança de Milton Chivela.

De acordo com a documentação consultada pelo Maka Angola, só em Portugal foram transferidos mais de 10 milhões de euros, através do Banco Português de Investimento (BPI), sem qualquer suporte documental. Ou seja, não há nenhum papel a justificar a despesa. E não há qualquer prova de que esse dinheiro foi enviado para estudantes.

Igualmente em Portugal, os funcionários do serviço de apoio aos estudantes receberam mais de cinco milhões de euros em remunerações, sem que fossem apresentados documentos de suporte, folhas de salários mensais e recibos. Quer isto dizer que os cinco milhões podem ter servido para pagar muito justamente os funcionários pelo seu trabalho, ou podem ter servido para pagar a funcionários que não existem – digamos, a “trabalhadores-fantasma”.

O INAGBE é um organismo superintendido pelo Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (MESCTI). Na altura dos factos, era ministra do MESCTI a Dra. Maria do Rosário Bragança. A 15 de Julho de 2024, o presidente João Lourenço catapultou-a para o cargo de ministra de Estado para a Área Social.

Para as bolsas de estudo internas, em 2022, o INAGBE transferiu cerca de 15 mil milhões de kwanzas sem qualquer lista de bolseiros anexa, e sem identificar individualmente nenhum. Na realidade, estes montantes podem ter ido parar às mãos de bolseiros ou a outros destinatários.

Há ainda cerca de mil milhões de kwanzas de pagamentos realizados sem qualquer documento de suporte. Isto é, dinheiro que saiu da conta do INAGBE sem que haja nenhuma factura nem outro documento oficial para o justificar. O dinheiro saiu da conta porque sim. Esses pagamentos foram feitos a fornecedores de bens e serviços que não se sabe o que forneceram nem o serviço que prestaram.

Recentemente, um jornal de Luanda noticiava estarem muitos “estudantes bolseiros de universidades públicas e privadas (…) com quatro meses de atraso das bolsas pagas pelo (INAGBE), [exigindo] uma solução [e ameaçando] com uma manifestação em Luanda”.

Há ainda os casos dos serviços de apoio aos estudantes na Rússia e em Cuba. Na terra de Putin, segundo a documentação por nós consultada, há um descaminho de 280 mil euros, sem qualquer suporte documental. Já em Cuba, cidadãos que não constam da base de dados de bolseiros externos do INAGBE beneficiaram de pagamentos no valor de 234 mil dólares.

Voltando a Portugal, os executores do INAGBE realizaram levantamentos em multicaixas (ATM) de mais de 103 mil euros, sem justificação, facturas, recibos nem notas de entrega. O mesmo INAGBE também foi às compras nos supermercados Continente e Pingo Doce, onde gastou mais de cinco mil euros sem necessidade de qualquer justificação. Note-se que qualquer pessoa que compre no Continente ou no Pingo Doce recebe sempre uma fatura-recibo.

A descrição poderia continuar, mas estes exemplos são suficientes.

O INAGBE parece ser uma máquina cheia de buracos por onde saem milhões sem qualquer justificação. O grau de descontrolo das finanças públicas é simplesmente abismal.

Os factos ora descritos têm contornos criminais. A PGR deveria, evidentemente, avançar… Ou será que vai dizer que não tem provas concretas, como declarou há dias o seu titular, General Hélder Pitta Groz, ao pronunciar-se sobre casos de sobrefacturação? Ou, ainda, será que vai dizer que aguarda os contributos da cooperação internacional?

No início do seu mandato, João Lourenço anunciou que alguns estudantes angolanos iriam para as melhores universidades do mundo. Em 2024, esse programa foi suspenso. Bem se vê porquê. Quando o organismo responsável pelas bolsas do Estado desbarata sem justificação mais de 35 milhões de dólares americanos num único ano, não admira que o dinheiro desapareça.

A grande questão em Angola, nesta e noutras áreas, é que não basta falar, mandar bocas discursivas de chefaturas. É preciso fazer, acabar com as velhas práticas e estruturas. Se isso não acontecer, nada vai mudar. Tudo piora. É o que está a acontecer actualmente. É a maldição do desgoverno.

 


Article publié le Tuesday, February 18, 2025