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Mitos e Realidades sobre a Qualidade da Educação
Há uns dias, o presidente da República afirmou, por ocasião da tomada de posse de novos membros do Conselho da República, o seguinte: “Todos nós reconhecemos que não temos um ensino de qualidade, precisamos de trabalhar, dar este passo, passar da quantidade, dos números de alunos matriculados, começarmos a prestar atenção para a qualidade do nosso ensino. É com docentes de qualidade, com académicos de qualidade, que se fazem estudantes de qualidade.”

Estas declarações provocaram algum furor, mas levaram essencialmente a uma discussão estéril sobre a percentagem reduzida do PIB que é dedicada à Educação no Orçamento Geral do Estado e a lamentos mais ou menos hipócritas sobre a falta de qualidade do ensino em Angola.

Na verdade, o assunto é mais complexo e tem de ser discutido a partir dos pilares. A Educação é uma área muito peculiar, pois, como sublinhou o famoso prémio Nobel da Economia Milton Friedman, desencadeia “neighborhood effects” (isto é, efeitos de “vizinhança”, ou contaminação). A educação beneficia individualmente cada pessoa e, ao mesmo tempo, beneficia a sociedade em geral, pelo seu contributo na formação de cidadãos mais bem preparados. Portanto, a Educação não é meramente um assunto só individual ou só colectivo. Resulta de uma influência recíproca. Friedman explicou: “Uma sociedade estável e democrática é impossível sem a aceitação generalizada de um conjunto de valores comuns e sem um grau mínimo de alfabetização e conhecimento por parte da maioria dos cidadãos.” Isto, naturalmente, é trazido pela Educação. Por outro lado, é manifesto que o referido “efeito de vizinhança” opera no sentido inverso: a sociedade também influencia a educação de cada pessoa e a forma como esta se insere na própria sociedade.

Assim, a qualidade da Educação não depende em primeiro grau do sistema fechado de ensino, mas da sociedade em que ela decorre. Um país desenvolvido, em regra, terá um ensino de qualidade, enquanto um país não desenvolvido terá um mau ensino, apenas, eventualmente, garantindo algumas “ilhas” de qualidade.

Nessa medida, antes de se exigir de Angola um ensino de qualidade, tem de se exigir um país desenvolvido. Uma coisa está ligada e depende da outra. Dentro desta linha de pensamento, também é evidente que a qualidade não depende só, ou sobretudo, do Estado, mas da interacção que se estabelece entre os indivíduos e a sociedade no que diz respeito à Educação. Se uma sociedade vê que aqueles que têm mérito e instrução são aqueles que ascendem na escala social, então promoverá a Educação, enquanto uma sociedade que vê que a elevação social depende das cadeias de conhecimentos e arranjos familiares ou outros não promoverá a Educação, mas antes essas redes de influência.

Um segundo ponto a assinalar e que decorre do primeiro é que, embora os gastos sejam importantes, não são o elemento decisivo. O elemento decisivo é o desenvolvimento do país e o estímulo da sociedade para a Educação, que leva ao investimento nesta, por se considerar que ela traz benefícios colectivos e individuais. Mas não se esperem milagres da Educação. Durante anos, pensou-se que despender dinheiro em Educação levaria, por algum mecanismo desconhecido, ao progresso económico. Agora já se percebeu, sobretudo graças ao trabalho da cientista britânica Allison Wolf, que não existe essa relação directa. O que há, isso sim, é uma relação circular entre desenvolvimento e educação. O desenvolvimento cria um habitat propício à qualidade da Educação.

No caso concreto de Angola, há que encarar alguns aspectos simples como sendo os mais determinantes para se erguer um sistema de ensino de qualidade. O primeiro é uma questão de perspectiva. Quando se olha para a qualidade da Educação, o foco não deve estar nas universidades, mas no ensino básico. A qualidade da Educação não começa no ensino superior, que deve ser visto apenas como o corolário natural da qualidade dos anos anteriores. Portanto, a grande aposta e o foco deve ser criar um ensino básico com bons e sólidos atributos. Certamente é mais glamoroso falar-se em universidades, mas não há nem bons alunos nem bons professores se não tiverem ambos sido bem preparados pelos seus professores primários.

Portanto, a primeira receita para um ensino de qualidade em Angola é muito simples: boas escolas primárias. Isto implica edifícios razoáveis (que não têm de ser hotéis faraónicos…), professores bem pagos e motivados, e um plano curricular simples e acessível.

Depois de assegurarem boas escolas primárias, há um outro aspecto estrutural que é preciso notar: o Estado não pode fazer e tratar de tudo. É impensável e impossível. Um bom sistema de Educação é aberto e diverso. As escolas devem ser públicas e privadas, ou mistas, oferecendo programas e métodos diferentes. Nem todas serão boas. Há que admitir que haverá escolas boas e más, mas deve-se promover a concorrência entre as escolas e a liberdade de escolha entre alunos. Só um sistema diverso poderá, de forma sustentada, promover um ensino de qualidade, pois permite a afinação permanente das opções disponíveis. Os Estados Unidos da América são um exemplo desta abordagem: praticam a liberdade de ensino e têm das melhores universidades do mundo (Harvard, Stanford, etc.) e das piores, tal como têm alguns colégios comunitários – estes desempenham um papel fundamental, dando oportunidades a quem não as teria de outra forma.

Há, finalmente, um outro detalhe a destacar. O objectivo do estudante que entra no sistema de ensino não deve ser a conclusão de uma licenciatura na universidade, mas sim o pleno desenvolvimento da sua personalidade. Isto significa que as pessoas têm de ser apreciadas pelas suas capacidades e não pelos seus títulos; provavelmente, muitos especialistas e mestres de artes e ofícios alcançarão maior realização pessoal do que os estudantes universitários. Assim, o sistema de ensino tem de ter saídas para todos, e não proceder a uma uniformização frustrante. As escolas de artes e ofícios devem andar a par com as universidades. É este, por exemplo, o sistema seguido na Alemanha, o que tem assegurado a competitividade da sua indústria.

Uma nota final: é preciso deixar definitivamente de ver Portugal como um exemplo sem alternativa. A ciência e o ensino não são exemplos de especial sucesso e competência no Portugal contemporâneo. Há que abrir horizontes para além de Badajoz.


Article publié le jeudi 16 septembre 2021
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