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Há tantas antecipações, projecções, especulações, análises e contra-análises sobre os efeitos da visita do presidente dos EUA, Joe Biden, a Angola, que não vale a pena adiantar mais uma letra sobre o tema. Depois de a areia assentar se verá o que fica e o que não fica.
Mas há um tema que, a propósito da visita de Biden, merece reflexão e em que esta poderia ser estruturalmente útil. Trata-se da educação – mais especificamente, do ensino superior.
A revista britânica Times Higher Education (THE) publicou em 2024 a sua lista das melhores universidades da África Subsaariana. No top 10, surgem quatro universidades sul-africanas, duas do Ruanda (4.º e 6.º lugares), duas do Gana (5.º e 9.º lugares), uma do Uganda (8.º lugar) e uma da Somália (7.º lugar). A Nigéria tem 41 entradas na lista, a maior quantidade de qualquer país.
A primeira universidade de um país lusófono é a Universidade Eduardo Mondlane de Moçambique (23.º lugar).
Angola conta somente com quatro universidades neste ranking, todos nos últimos lugares. Acima do 101.º, estão a Universidade José Eduardo dos Santos, a Universidade Katyavala Bwila, a Universidade Rainha Njinga a Mbande (URNM) e a Universidade do Namibe. A famosa Universidade Agostinho Neto (UAN) nem consta da lista. Para um país que almeja ser uma potência regional e encetar um caminho de desenvolvimento sustentável, isto é muito, muito fraco, demonstrando que o país não forma recursos humanos capazes.
É evidente que esta lista não é um dogma e pode ser contestada, mas demonstra inequivocamente uma tendência, e essa tendência é de um ensino superior angolano sem níveis aceitáveis de qualidade e sem impacto internacional.
É aqui que entram as possibilidades que a viagem de Biden pode abrir, se alguém tiver pensado no assunto. A lista mundial da THE acima referida conta com sete universidades norte-americanas entre as dez melhores do mundo.
É indubitável que ao nível do ensino superior os EUA são os mais bem-conceituados, os seus investigadores os mais relevantes e o país que mais Prémios Nobel nas áreas científicas ganhou. Tal demonstra que os EUA têm um ecossistema educacional e científico que pode servir de apoio e exemplo para Angola.
É evidente que a educação é um dos obstáculos maiores, senão o maior, para o desenvolvimento de Angola. Portanto, seria da maior relevância que o país – que tem índices de educação extremamente baixos – criasse laços com os EUA – que tem os melhores índices de ensino superior e de investigação.
Muitas das universidades norte-americanas que estão no topo da lista mundial são financiadas pelo Estado federal e, por isso, têm algumas características próprias das entidades públicas. É o caso, por exemplo, da Universidade da Califórnia, Berkeley (8.º lugar mundial).
Ora, poder-se-ia desenvolver com essa universidade americana, com o co-patrocínio do governo federal dos EUA, uma plataforma física em Angola, uma espécie de centro focado em ciência e tecnologia na África, que promovesse a colaboração entre investigadores e professores angolanos e americanos, apoiando a criação de metodologias adequadas para fazer avançar o ensino e a investigação em Angola. Seria uma espécie de incubadora das boas práticas educacionais e metodológicas para influenciar uma reforma do ensino e investigação em Angola.
É sabido que o ensino superior em Angola é demasiado influenciado pelo academismo português. Contudo, se olharmos para a lista mundial, a universidade portuguesa mais bem classificada (Universidade de Coimbra) surge apenas entre os lugares 401 e 500. Facilmente se vê que é um atraso. Em Portugal, os modelos de ensino continuam a ser fechados, pouco inovadores, demasiado influenciados por preconceitos ideológicos e sem coragem de enfrentar o desconhecido. Manifestamente, Portugal não pode ser um modelo para o desenvolvimento do ensino superior em Angola.
Consequentemente, a estratégia angolana deveria passar por uma aliança com os melhores – e os melhores, neste momento, são os norte-americanos.
Assim, uma das vantagens efectivas que poderia surgir desta viagem de Biden seria um programa colaborativo para desenvolver o ensino superior em Angola, em associação com uma boa universidade americana.
São estas coisas que ficam, e não os discursos mais ou menos empolgados.
Article publié le mardi 3 décembre 2024
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